quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Tudo sobre a nova droga que faz perder peso

droga

A notícia de que um novo medicamento chegou para derrotar a balança está provocando uma corrida aos consultórios de endocrinologistas. Pudera. A estreia no mercado brasileiro da liraglutida - esse é o nome do princípio ativo do Victoza - veio acompanhada daquelas informações que soam como música aos ouvidos de quem quer mandar a gordura para o espaço: dá para perder até 12 quilos em cinco meses sem passar fome. Acontece que esse remédio injetável, fabricado pelo Laboratório Novo Nordisk, tem a finalidade de tratar e controlar o diabetes tipo 2, o que suscita questionamentos sobre a segurança de usá-lo para derrotar a balança. Nossas leitoras, antenadas em notícias sobre emagrecimento saudável, imediatamente começaram a se manifestar por meio do Facebook. Algumas dúvidas: "Não é muito cedo para saber se o remédio é seguro?"; "Emagrecer com remédio não faz engordar tudo de novo?"; "Acho que faltam estudos. Afinal, o remédio é para diabéticos". Para pôr essa história em pratos limpos, ouvimos quatro dos principais experts em emagrecimento: Alfredo Halpern e Geraldo Medeiros professores de endocrinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Rosana Radominski, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (ABESO) e Walmir Coutinho, médico do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia e professor da Pontifícia Universidade Católica, ambos no Rio de Janeiro. Tire todas as suas dúvidas!!

Por que emagrece
A liraglutida é um remédio biológico - classe de medicamentos feitos de substâncias produzidas ou extraídas de um organismo vivo. Drogas biológicas são tidas como "inteligentes" porque simulam o papel de um componente do organismo humano. No caso da liraglutida, age de maneira semelhante ao hormônio GLP-1 produzido no intestino na presença de alimentos. Esse hormônio é um dos responsáveis por avisar ao cérebro que é hora de parar de comer. A diferença é que a droga circula no organismo em quantidade muito maior do que o hormônio natural, além de permanecer durante muito mais tempo. Isso retarda o esvaziamento do estômago, o que inibe a fome. A droga atua também no cérebro, mais precisamente no hipotálamo, região onde fica o centro da saciedade, prolongando a sensação de satisfação mesmo com pouca comida. A aplicação - diária - é feita pelo próprio paciente por meio de uma caneta de injeção subcutânea no abdômen, na coxa ou no braço. O preço médio da caixa com duas canetas é 400 reais, sem as agulhas, que devem ser compradas separadamente.

P. A liraglutida pode mesmo ser útil no tratamento da obesidade?
R. Alfredo Halpern - Minha experiência me faz acreditar que sim. Tenho prescrito a medicação desde quando precisava ser importada. Mas, por enquanto, é minha segunda opção para tratar a obesidade. E a indicação é sempre muito individualizada.

R. Geraldo Medeiros - Sim, mas há várias restrições. Os pacientes a serem tratados com essa medicação precisam ter IMC entre 30 e 40, não podem apresentar nódulos de tireoide nem histórico de pancreatite.

R. Walmir Coutinho - Pode, sim. Até o momento, os resultados são promissores, mas precisamos aguardar a conclusão das pesquisas em andamento para recomendarmos seu uso por não diabéticos.

P. Quanto tempo leva para um medicamento ser tido como de uso seguro, principalmente quando ele passa a ser receitado com finalidade diferente da original?
R. Alfredo Halpern - No caso da liraglutida, o importante é que a droga se mostrou segura para diabéticos. Se é segura para diabéticos, também pode ser para obesos, embora o uso para esses pacientes não tenha sido oficializado. Além do mais, ajuda a baixar a pressão e não apresenta riscos psiquiátricos. É claro que não sabemos o que vai acontecer daqui a cinco ou dez anos. O rimonabanto, por exemplo, surgiu como a pílula antibarriga e, tempos depois, descobriu-se que poderia levar a transtornos psíquicos.

R. Rosana Radominski - São necessários estudos específicos para a nova indicação. A liraglutida foi desenvolvida para controlar o diabetes e se observou, como efeito colateral, que os pacientes que usavam o medicamento perdiam peso. O objetivo principal era reduzir a glicemia e não a perda de peso. Diante desses resultados, a indústria resolveu desenvolver estudos com o objetivo de emagrecimento. Alguns já terminaram, outros estão sendo concluídos e outros ainda estão no início.

R. Walmir Coutinho - Isso vai depender muito dos resultados. Até o momento, não surgiram sinais importantes de risco com o medicamento.

P. Quais os riscos de se prescrever a droga antes que sejam realizados estudos mais conclusivos?
R. Geraldo Medeiros - O medicamento pode provocar efeitos colaterais como náuseas, vômitos, diarreia, taquicardia. Mas há risco de pancreatites e câncer medular de tireoide. Alguns pacientes produzem anticorpos anti-GLP-1, os quais podem inativar a ação da droga.

R. Rosana Radominski - A segurança do uso da medicação está em jogo. Nos estudos com liraglutida e obesidade, a dose do medicamento utilizada é praticamente o dobro daquela indicada para o controle do diabetes. Então, são necessárias futuras análises para avaliar a segurança do medicamento dessa dosagem em quem é obeso, mas não diabético. Ainda não sabemos se os efeitos adversos (náuseas, vômitos, diarreia e cefaleia) serão os mesmos, na mesma intensidade ou se serão em maior número, com intensidade e duração maiores.

R. Walmir Coutinho - O principal risco é de que o remédio seja usado para pacientes nos quais os riscos potenciais superem os benefícios. Os efeitos colaterais, como náuseas e diarreias, são transitórios. Em algumas semanas, tendem a desaparecer.

P. Embora os estudos clínicos só tenham avaliado o efeito da liraglutida em obesos, a substância já está sendo prescrita para quem deseja emagrecer poucos quilos. A quais riscos essas pessoas estariam expostas?
R Geraldo Medeiros - Não vejo sentido no tratamento com liraglutida em quem tem poucos quilos a perder porque o hormônio GLP-1 (que o medicamento imita) tem riscos conhecidos, como a pancreatite e o câncer de tireoide, que já citei, além de outros ainda desconhecidos.

R. Rosana Radominski - Os estudos clínicos estão avaliando os efeitos do medicamento em obesos e indivíduos com sobrepeso e complicações, como hipertensão arterial, glicemia alterada, colesterol e triglicérides elevados. Os riscos em pessoas que precisam emagrecer poucos quilos são semelhantes aos dos que necessitam do medicamento. É importante ressaltar que a droga ajuda o paciente a mudar hábitos - aderir à dieta, principalmente. Aqueles que não reduzem a ingestão alimentar vão ter péssimos resultados mesmo com o uso da medicação. Ela não é milagrosa, só ajuda a comer menos.

P. Segundo o fabricante, o medicamento requer receita médica. No entanto, sabemos que no Brasil é fácil comprar qualquer remédio (até os de tarja preta) sem prescrição. Quais os riscos de usá-lo sem indicação?
R. Alfredo Halpern - Muita gente já anda comprando o remédio sem receita. E nem o fato de ser injetável inibe o uso, porque não dói. Se os riscos não são completamente evitáveis mesmo com receita, imagine sem. O médico tem critérios, controla a dosagem, começa com 0,6 mg, observa as reações do paciente e vai aumentando aos poucos.

R. Geraldo Medeiros - Quem corre mais perigo é o paciente com nódulo na tireoide ainda não diagnosticado. Sem falar no risco de pancreatite e outros ainda não conhecidos.

R. Walmir Coutinho - O principal risco é o de não receber a orientação adequada sobre riscos e benefícios. É muito importante que cada usuário saiba que não se trata de um milagre.

P. Já que a liraglutida reduz a fome, usá-la por dois meses faz o organismo se acostumar com menos comida? Há chance de diminuir o apetite ao parar de injetá-la?
R. Alfredo Halpern - Interromper a medicação faz a fome voltar. Mas, claro, ela pode ajudar o paciente a aprender a se controlar e, assim, funcionar como um motivador de bons hábitos.

R. Geraldo Medeiros - A liraglutida aumenta a saciedade, não corrige compulsão a alimentos nem maus hábitos.

R. Rosana Radominski - O organismo não se acostuma. Não existe efeito residual. Porém, como já mencionei, da mesma forma que acontece com outros medicamentos para emagrecer, a pessoa fica animada com os resultados e consegue manter uma alimentação mais saudável. Junto com atividade física regular, acaba controlando o peso.

P. Se a Anvisa proibir mesmo o consumo e a venda de sibutramina, femproporex, anfepramona e mazindol*, poderá haver uma corrida à liraglutida?
R. Alfredo Halpern - Acredito que sim. Aliás, já está havendo essa corrida pela simples ameaça de proibição. Pelos mais ricos, bem entendido, já que o remédio é caro. Os pobres serão os maiores prejudicados.

R. Geraldo Medeiros - Não acredito que haverá corrida à liraglutida pelo alto preço, por ser injetável e porque os riscos ainda não estão bem definidos.

R. Rosana Radominski - Certamente, haverá. Porém, como acontece com outros medicamentos, esse também não serve para todos. Alguns respondem bem, outros não. Alguns suportam bem os efeitos colaterais, outros não. O custo da medicação também limita seu uso.

*A previsão era de que a decisão seria anunciada no final de setembro, depois do fechamento desta edição.
O acaso mostrou o poder emagrecedor da liraglutida
Não são poucos os casos de drogas criadas para um determinado fim e que depois, casualmente, mostraram-se úteis para outros. Para citar apenas duas: a toxina botulínica, que nasceu para corrigir estrabismo e ficou famosa por alisar a pele (além de tratar suor excessivo e enxaqueca) e o minoxidil, substância originalmente utilizada para hipertensão mas que faz nascer cabelo. Com a liraglutida aconteceu algo semelhante. Em pesquisa liderada por Arne Astrup, chefe do Departamento de Nutrição Humana da Universidade de Copenhague, Dinamarca, com a participação de voluntários obesos não diabéticos, os estudiosos notaram que a substância não estimulava a produção de insulina pelo pâncreas, como acontece com os diabéticos, mas aumentava a sensação de saciedade, ajudando a perder peso. Daí a passar a ser prescrita experimentalmente para essa finalidade foi um pulo. A prática é conhecida como off label. Isso significa que um remédio aprovado para tratar um tipo de doença pode até ser útil para outra (embora não traga a indicação na bula), sem grandes perigos para o paciente. Segundo o Conselho Federal de Medicina, não se trata de conduta antiética, desde que o médico esclareça seu paciente sobre eventuais efeitos adversos. Mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já se posicionou contra o uso do medicamento no tratamento da obesidade, sob a alegação de que pode, sim, haver riscos à saúde.

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